Ta_Lento

Estado de Calamidade

Episode Summary

As consequências de temer dizer “não”, de não decidir ou de negociar para renunciar à responsabilidade de escolher.

Episode Notes

Um "não" ou um "sim" têm consequências, mas nós fugimos, renunciamos ao poder de decidir, ao dever de julgar, à obrigação de provocar a consequência das escolhas que uma decisão implica, quer estas tenham sido decididas pelo legislador e conformem a vida coletiva, quer resultem de propósitos pessoais, mais ou menos resolutos e da esfera mais privada. 

O bom senso, a prerrogativa nebulosa de graduar a adequação à regra e a tíbia transigência com a descarada exceção, que assoma, ostensivamente, numa total indiferença pelos danos colaterais supervenientes à omissão, todas estas manifestações de capitulação trocam a fidelidade à regra abstrata e independente de regulação dos interesses em presença, garante da indispensável segurança jurídica, tão cara à vida em sociedade, pelo alívio da adesão a uma solução avessa ao esticar da corda, aquém de um ranger de dentes, distanciada de uma disputa justa a ferro e fogo, oposta a qualquer derramamento de sangue. Tudo em nome do recuo tático apaziguador para a modorra do consenso, da renúncia, da estagnação. 

Este processo de libertação da carga da culpabilização, de tão expedito e facilitador do processo decisório, compromete mas não resolve e acabará apelidado de "criativo" na sua traição à inflexibilidade vertebral dos princípios, na fuga ao confronto com os interesses, frequentemente insolentes nos seus avanços desafiadores dos poderes regulatórios, amiúde compensados por essa ousadia apesar de, no fim, se revelarem penalizadores de toda a comunidade pelo desequilíbrio da balança, forçada a pender para a força das motivações particulares agitadas e dos seus mal disfarçados interesses, em detrimento do bem comum. 

Entre a ablação de excrescências de considerável grau de malignidade e de insuportáveis vícios, tendemos, frequentemente, a aquiescer na inoperância do placebo, numa renúncia assumida à cura. Ante a dor do tratamento, aceita-se o bálsamo paliativo. 

Quantas manifestações coletivas deste ADN lusitano, exercitadas pelas autoridades ou pelo cidadão em geral, se explicam à luz desta análise? Quanto mais evidente se tornou esta moleza comportamental na agenda de gestão da crise COVID-19 em curso?

Episode Transcription

Um "não" ou um "sim" têm consequências, mas nós fugimos, renunciamos ao poder de decidir, ao dever de julgar, à obrigação de provocar a consequência das escolhas que uma decisão implica, quer estas tenham sido decididas pelo legislador e conformem a vida coletiva, quer resultem de propósitos pessoais, mais ou menos resolutos e da esfera mais privada. 

O bom senso, a prerrogativa nebulosa de graduar a adequação à regra e a tíbia transigência com a descarada exceção, que assoma, ostensivamente, numa total indiferença pelos danos colaterais supervenientes à omissão, todas estas manifestações de capitulação trocam a fidelidade à regra abstrata e independente de regulação dos interesses em presença, garante da indispensável segurança jurídica, tão cara à vida em sociedade, pelo alívio da adesão a uma solução avessa ao esticar da corda, aquém de um ranger de dentes, distanciada de uma disputa justa a ferro e fogo, oposta a qualquer derramamento de sangue. Tudo em nome do recuo tático apaziguador para a modorra do consenso, da renúncia, da estagnação. 

Este processo de libertação da carga da culpabilização, de tão expedito e facilitador do processo decisório, compromete mas não resolve e acabará apelidado de "criativo" na sua traição à inflexibilidade vertebral dos princípios, na fuga ao confronto com os interesses, frequentemente insolentes nos seus avanços desafiadores dos poderes regulatórios, amiúde compensados por essa ousadia apesar de, no fim, se revelarem penalizadores de toda a comunidade pelo desequilíbrio da balança, forçada a pender para a força das motivações particulares agitadas e dos seus mal disfarçados interesses, em detrimento do bem comum. 

Entre a ablação de excrescências de considerável grau de malignidade e de insuportáveis vícios, tendemos, frequentemente, a aquiescer na inoperância do placebo, numa renúncia assumida à cura. Ante a dor do tratamento, aceita-se o bálsamo paliativo. 

Quantas manifestações coletivas deste ADN lusitano, exercitadas pelas autoridades ou pelo cidadão em geral, se explicam à luz desta análise? Quanto mais evidente se tornou esta moleza comportamental na agenda de gestão da crise COVID-19 em curso?