Ta_Lento

O ministro da caldeirada

Episode Transcription

00:00 Intro

00:28 Regressos

Os alunos regressaram a escola, a escola concluiu o reagrupamento comunitário e o ministro hibernado, nas barbas de tê-esse-efes, entrevistadores mortiços e reverentes, fez prova de vida. Uma vitalidade plastificada: artificial, estagnada, para perdurar e amargurar.

 

00:56 A Escola Pobre

"..."

A escola que vamos ter, logo se verá como será. Um amanhã jubiloso, por certo! Aquela que tínhamos e retomámos, para gaudio do saudosista ministro, leva uma indisfarçável vantagem, como se provará adiante, sobre a escola digital de má memória. Mas ouçamos, uma vez mais, estas declarações categóricas:

"..."

 

02:04 O Inferno

As notícias recorrentes sobre episódios mais ou menos trágicos de bullying ilustram essa superioridade indiscutível nas aprendizagens presenciais, sobretudo nos domínios socio-emocionais, aplicadas nas intensas interações humanas experimentadas no Éden escolar sonhando pelo senhor ministro.

Outro abono diferenciador e corroborador das teses ministeriais chega dos estudos abundantes sobre os níveis de vinculação e entusiasmo que a escola pré-pandémica induz nos seus alunos. Um destes inquéritos probatórios, conduzido pela OMS e conhecido em 2020, compara a evolução registada, de 2014 para 2018, nos níveis de saúde e bem-estar dos adolescentes da Europa e Canadá. A satisfação com a escola, estado decisivo para a performance escolar e para o bem-estar geral, decresceu de 2014 para cá. Só metade dos adolescentes inquiridos se sentem convenientemente acompanhados e apoiados por colegas e professores e só um terço dos adolescentes reportou gostar muito da escola, variando essa aprovação de forma decrescente em função do aumento da sua idade (em Portugal essa queda é de 18 pontos percentuais entre raparigas de 11 e de 15 anos; e é de14 pontos entre rapazes dos mesmos escalões etários). Por cá, pior ainda, menos de 2 em cada 10 adolescentes retira satisfação generalizada com a vida escolar, 15% das raparigas e só pouco mais de 13% dos rapazes. Entre os jovens portugueses de 11 anos, que participaram no inquérito e se declararam muito agradados com a escola, 29% são raparigas e 22% são rapazes. Aos 13 anos de idade, essa distribuição de aprovação por género já era só, respetivamente, de 14% e 10% e baixava, drasticamente, para uns míseros 11% nas raparigas e 8% nos rapazes da faixa etária dos 15 anos. Menos de 1 em cada 10 rapazes portugueses de 15 anos é capaz de assumir-se como muito contente com o pacote que a escola tinha/tem para oferecer-lhe. Se a tendência se mantiver ou se acentuar com a progressão na idade, restará ainda, entre os finalistas do Secundário, alguém que dê um amorfo "satisfaz" à escola que lhe coube em sorte?

Em resumo, internacionalmente e em Portugal, nas famílias e também nas escolas, o bem-estar sócio-emocional adolescente decresce à medida que se avança na idade, sobretudo entre as raparigas. Apesar disto, atentas as declarações ministeriais e de muitos outros responsáveis educativos, a mistificação acerca do idílico contexto social escolar persiste. Os longos confinamentos e os traumas que lhes costumam ser associados devem ter quota-parte na elisão desta realidade.
 

05:27 Crise é Crise!

E como a crise não é oportunidade de melhoria (e acelerador de mudança? Por certo também não!), em mais uma singularidade só própria da Educação, ficou dito com autoridade,

"..."

não se entende de que lógica é devedor o pensamento que sustenta a declaração de fé numa escola futura que se transfigura e melhora. Se o passado devolve a herança envenenada atrás descrita e o presente traumático se deseja apagar como a uma página negra da crónica das nossas vidas, que "novo normal" é legítimo sonhar? Uma reposição do velho normal interrompido a revestir e ornamentar? Repousa no diamante "Magalhães 2" todo o capital de esperança. E de impostos, já agora. "Plim...registadora"

 

06:43 Extrair Consequências

A condenação da escola digital, apesar de federar o sindicato de oposição que integra docentes e outros dirigentes, não deixa de ser uma condenação da impreparação e incompetência dos professores na condução de um ano de um serviço educativo de medíocre qualidade. Não se extraem consequências da radicalidade de uma tal auto-avaliação? E os visados neste "chumbo" oficial, conformam-se com a sua própria caricatura ou reclamam dignidade? E os defraudados objetos deste ato falhado, forçados a uma exposição prolongada, que compensação podem exigir? Por último, o que justifica a omissão do ministério Sindical da Educação, lesto e clarividente na avaliação à resposta educativa de emergência, que ainda assim a licencia, que lhe reconhece os limites e não fornece alternativa para lá da resistência a decretar o confinamiento das escolas, que é o mesmo que condenar as comunidades educativas - e, por extensão, toda a sociedade - à roleta russa do virus?
 

08:02 A Paparoca Outra Vez

"...refeições"

O ministro da Ação Social para a Educação nutre uma paixão indisfarçável pelo tema da paparoca servida nas escolas, "(...)" patente na reiterada enfatização da magnitude da operação logística e por todo o mérito patriótico atribuido a esta missão humanitária. De tal maneira que é legítimo considerar que, na lógica ministerial, uma instituição de ensino é uma Cantina com escola dentro. Mas se é no tabuleiro do almoço que se ganha a guerra da capacitação das futuras gerações, diga-se ao titular da pasta que estes carenciados hão de ter irmãos, pais e outros familiares que reclamarão, igualmente, assistência.
 

09:09 Conclusão

Se estes fossem os únicos reflexos do negacionismo e da inversão estratégica em que navega a equipa educativa... Como se compagina esta doutrina com os planos governamentais e europeus de transformação digital?